O caso da menina capixaba submetida a um aborto aos 10 anos, que chocou o país e rendeu uma guerra ideológica não é inédito, distante e muito menos isolado. Aqui na Bahia, somente nos primeiros seis meses deste ano, foram registradas 101 internações por aborto entre crianças e adolescentes, segundo números oficiais da Secretaria da Saúde (Sesab).
É como se a cada dois dias uma garota de 10 a 19 anos fosse hospitalizada no estado por interromper uma gravidez. No entanto os dados não especificam se os procedimentos foram realizados nas unidades de saúde, ou se tratam de atendimentos em decorrência de abortos espontâneos ou realizados clandestinamente, já que a interrupção de gestação é permitida por lei apenas em situações específicas
No Brasil, o aborto é legalizado em apenas três casos: quando a gestação é decorrente de estupro; se a gravidez representar risco de vida à mulher; e nos casos de anencefalia fetal. Qualquer hospital que ofereça serviços de ginecologia e obstetrícia deve ter equipamento adequado e equipe treinada para realizar um aborto legal.
Apesar disso, a organização “Mapa do Aborto Legal” ressalta que muitas unidades de saúde se recusam a realizar a interrupção da gravidez. Assim como aconteceu com a menina do Espírito Santo de 10 anos, grávida após ter sido estuprada pelo tio, que teve o pedido de realização do aborto negado pelo Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam). Ela teve que viajar para Pernambuco para realizar o procedimento. O site da entidade dispõe de uma ferramenta em que é possível procurar unidades de saúde em que o procedimento é realizado. A Bahia aparece no mapa com apenas dois hospitais com o status “seguem realizando aborto legal”: o Hospital da Mulher, em Salvador, e o Hospital Esaú Matos, em Vitória da Conquista.
Os dados sobre internações por aborto na Bahia ainda mostram que nos últimos três anos os registros se posicionam em uma curva crescente entre crianças e adolescentes. Enquanto em 2017 o número foi de 149, em 2019 houve um acréscimo de 55% e chegou aos 232. A média do ano passado foi de 19 internações por aborto por mês.
Os registros entre as adolescentes de 15 a 19 anos representam em média 12,2% de todas as internações deste tipo no estado entre 2017 e 2019. No ano passado inteiro foram 220. E, neste ano, até junho já são 94.
Entre as meninas mais novas, com idade entre 10 e 14 anos, foram 40 internações por aborto nos últimos três anos. O Código Penal brasileiro enquadra como crime de estupro a relação sexual com menores de 14 anos, sob pena de reclusão de oito a 15 anos. O estupro contra vulnerável é aquele que tem como vítima pessoa com menos de 14 anos, que é considerada juridicamente incapaz para consentir relação sexual, ou pessoa incapaz de oferecer resistência, independentemente de sua idade, como alguém que esteja sob efeito de drogas, enfermo ou ainda pessoa com deficiência.
O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MDH) estima que aproximadamente 25 mil meninas no Brasil se tornam mães nessa faixa etária todos os anos. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 mostram que quatro meninas de até 13 anos são vítimas de estupro a cada hora no país.
O MDH classificou a gravidez da adolescência como “uma triste realidade e que merece ser enfrentada não apenas pelo governo, mas por toda a sociedade, num esforço conjunto pela proteção das crianças e adolescentes”.
Uma reportagem do Bahia Notícias desta quinta-feira (3) revelou que a cada 15 minutos nasce um bebê de uma mãe criança ou adolescente na Bahia. Nos últimos dez anos chegaram ao mundo 413.167 bebês baianos de meninas com idade entre 10 e 19. Pelo menos seis nasceram por dia de mães de até 14 anos.
Os dados revelam ainda que o maior número de internações por aborto entre as baianas se concentra na faixa etária de 20 a 39 anos. Foram 3.562 em três anos, e em 2020 foram 642 até junho.
Entre as mulheres acima dos 40 anos, idade em que a gestação oferece riscos de complicações, como hipertensão e diabetes gestacional, o número de internações por aborto também vem crescendo. No período analisado foram 427 ocorrências, menos que entre as adolescentes