A suspensão das atividades escolares presenciais tem criado um grande desafio para a relação entre pais, estudantes e as instituições privadas de ensino, assim como para as instituições legislativas. No centro da discussão está a possibilidade de redução do valor das mensalidades. Juridicamente, ganha luz discussões sobre a constitucionalidade da matéria, assim como a competência de quem pode legislar sobre o tema.
Em diversos estados e municípios brasileiros, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais receberam proposições que sugerem uma redução de até 30% do valor pago mensalmente enquanto durar a pandemia do novo coronavírus. No entanto, a Ação Direta de Constitucionalidade 1042 (ADI), do Supremo Tribunal Federal (STF), é objetiva ao afirmar que as normas que versam sobre contraprestação de serviços educacionais é tema próprio de contratos que somente a União pode legislar.
A Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) recebeu, em 31 de março, o Projeto de Lei 23.798/2020, de autoria do deputado Alan Sanches (DEM). Segundo a proposição, “as instituições de ensino médio e fundamental, que compõem a rede privada, ficam obrigadas a reduzir, em 30% (trinta por cento) os valores cobrados a título de mensalidades de prestação de serviços educacionais, enquanto durarem a suspensão das atividades letivas nas unidades de ensino particulares”.
O projeto especifica que “as instituições privadas de ensino superior, que não tenham mantido a integralidade da sua grade das aulas em ambiente virtual, deverão aplicar a redução das mensalidades nos termos do artigo 1º”. Em caso de descumprimento da medida, as unidades de ensino “estarão sujeitas a multa de 100% sobre o valor da mensalidade de cada aluno que não tenha obtido a redução de que trata”.
De acordo com Sanches, a tramitação do projeto na Bahia está aguardando parecer da Casa sobre a constitucionalidade da matéria. “O questionamento é sobre a constitucionalidade desse projeto. Se a gente pode, enquanto Assembleia ou tem que ser através da União. Mas o que a gente fala é que nesse momento tão diferente é pela relação de consumo. A escola não deixa de ser um consumo, então vai para o Direito do Consumidor”, disse.
“O que a gente precisa é o entendimento e vamos ver como se dará a compreensão aqui. Mas essa redução é uma coisa extremamente lógica e razoável, nem precisava ter que apelar para projetos para que as escolas e faculdades dessem essa redução”, avaliou Sanches.
RELAÇÃO DE CONSUMO
De acordo com o advogado especialista em Direito do Consumidor, Saulo Daniel Lopes, a rigor, o pagamento devido às instituições de ensino são anuidades segregadas em parcelas mensais para que possam ser arcadas pelos consumidores, justificando a cobrança, inclusive nos meses de janeiro e dezembro, que são, usualmente, de férias.
“Pela ótica do consumidor, essas prestações são, em verdade, mensalidades mesmo. De toda sorte, a prestação financeira do consumidor deve equivaler ao serviço estimado e efetivamente contratado, o que compreende quantidade de horas, técnicas de ensino, dinâmicas para assimilação do aluno. Hoje há diversas plataformas multimídia integradas, que possibilitam à escola uma ministração à distância com bom aproveitamento de conteúdo e manutenção da didática. O que já não parece possível na educação infantil”, afirmou Lopes.
“Me parece que a solução que melhor resolve o problema é a no sentido de que, se a escola se compromete a cumprir as horas contratadas, ainda que posteriormente repostas, e oferece ao aluno conteúdo, com monitoramento constante e aferição da participação e presença do aluno, sem grande prejuízo da prestação, penso que a prestação financeira continua sendo integralmente devida”, acrescentou.
Em casos de não haver a condição de reposição ou cumprimento da carga horária devida ou ainda tecnologia que permita monitorar a assimilação dos conteúdos propostos, o especialista entende que “a redução na mensalidade passa a ser um direito do consumidor, pois haverá a desproporção entre o contratado e o oferecido”.
Para o especialista em Direito Constituicional, Marcos Sampaio, a impossibilidade de a AL-BA fazer tramitar um proposta como a protocolada na Casa se justifica no entendimento de que “o Parlamento não pode criar ônus aos particulares”. “Dessa forma, se quisesse dar o desconto, deveria prever uma medida de compensação financeira às instituições de ensino que terão que fazer as reposições dos dias parados”, argumentou. Ao Bahia Notícias, Sampaio informou ainda que “o que se pode exigir é a realização dos dias letivos fixados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)”.
O advogado lembrou ainda “que a Medida Provisória (MP) 934/2020, embora dispense as escolas de educação básica e as instituições de ensino superior do cumprimento do mínimo de 200 dias letivos anuais, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, continua exigindo o cumprimento da carga horária mínima anual, que é de 800 horas de aula por ano”.
PAIS x ESCOLA
Sobre o impasse, um grupo de pais com filhos matriculados no Sartre Escola SEB denunciou ao Bahia Notícias que, já há algumas semanas, tem buscado dialogar com a instituição, mas sem sucesso. Soma-se a dificuldade de contato, a redução das horas/aula diárias, ainda que de forma remota.
“Alguns pais estão questionando essa falta de retorno da escola. Eu mandei uns seis e-mails para eles, para diferentes endereços. Eles mandaram procurar um aplicativo Binóculo, que está fazendo a relação escola-família. Só alguns desses e-mails tiveram retorno, mas não falaram sobre o assunto da redução. Já mandei mensagem pelo Instagram. Em tudo eu pergunto sobre a redução da mensalidade. Eles não falam nada. Não respondem sobre isso. O único aviso que tem foi bem no início, dizendo que os valores das mensalidades estariam mantidas. Eles só vão fazer se forem obrigados. Mas muito pais também dependem do comércio, não é justo pagar por custos que eles não estão tendo, como água, energia elétrica”, relatou uma mãe que pediu anonimato.
Sobre as realização das atividades remotas, a fonte informou que o período não tem sido reduzido pela metade. “Eles estão fazendo aula online, umas três horas mais ou menos. Inicialmente foi com vídeos de Youtube que mandaram, mas alguns pais reclamaram. É um tempo reduzido”, disse. O filho desta fonte é aluno do 8º ano.
Ao Bahia Notícias, o colégio informou que reconhece as dificuldades econômicas provocadas pela pandemia da Covid-19 e se preocupa com os desdobramentos que ela está provocando em todas as áreas. “Somos uma instituição que agrega quase mil colaboradores e temos uma enorme responsabilidade social, que está intimamente atrelada à receita proveniente das anuidades escolares. Estamos aguardando o entendimento do que está sendo tratado pelos respectivos sindicatos. Havendo novidades a respeito, utilizaremos nossos canais de comunicação para informá-las aos pais e/ou responsáveis”, informou o colégio por meio da gerência de Marketing.
REPRESENTAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES
Sobre o PL apresentado na AL-BA, o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia (Sinepe-BA) entende a proposta como inconstitucional, assim como apontada em outros estados.
A entidade representativa afirmou ainda que “desde o início da suspensão das atividades em classe e letivas nos prédios escolares, que tem discutido diversos assuntos e este é um deles, temos orientado que cada escola analisar a situação das famílias, não recomendamos a redução dos valores, pois a escola tem cumprindo com o que foi determinado para a situação emergencial, atividades escolares domiciliares, por todos os meios disponíveis e possíveis, conforme determinação do MEC e CEE-BA. Quando do reinício das atividades presencias, as escolas irão reorganizar seus calendários escolares, para cumprir os 800 dias previstos na Lei nº 9394/96 e na Resolução n27/2020 do CCE-Ba e MP 934/2020”.
Projetos que pedem a redução das mensalidades já foram aprovados pelas cidades de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais. De igual forma, aprovou iniciativa semelhante o estado do Pará.
Já no Distrito Federal (DF), um projeto chegou a ser aprovado em primeiro turno, no entanto, o Ministério Público do DF e Território recomendou à Câmara Legislativa que a votação em segundo turno seja suspensa. A recomendação foi expedida pela Procuradoria-Geral de Justiça.
Segundo o Ministério Público, a lei contém flagrante vício de inconstitucionalidade e, caso seja aprovada, criará expectativas inconsistentes para os indivíduos e para as instituições de ensino. Segundo o documento, a competência para legislar sobre política de preços e condições contratuais de instituições privadas de ensino não é do Distrito Federal, e sim da União.