A proposta de reforma da Previdência altera um trecho da Constituição que define o tipo de cobertura oferecida pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e, para alguns especialistas, a nova redação pode abrir brecha para que segurados facultativos –os que não têm renda ou exercem atividade profissional, mas contribuem por conta própria– fiquem sem auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
O texto do artigo 201 da Constituição Federal determina que a Previdência atenderá a cobertura dos eventos de “doença, invalidez, morte e idade avançada.” A reforma muda essa redação, dizendo que a cobertura será para “eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada”.
O problema está em determinar que a proteção é relativa à incapacidade “para o trabalho”, afirmou a advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).
“Essa alteração pode gerar uma interpretação de que o segurado facultativo, que não trabalha, não tem direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez”, disse. Para a jurista, a mudança no texto pode levar à judicialização.
Pelas regras atuais, pessoas sem renda própria, como donas de casa, estudantes ou desempregados, podem recolher como facultativos ao INSS para ter direito à cobertura previdenciária. Esses pagamentos garantem, inclusive, o acesso aos benefícios por incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), caso um problema de saúde os impeça de exercer suas atividades habituais, temporária ou permanentemente.
Na avaliação do advogado Rômulo Saraiva, a alteração no texto da Constituição pode abrir uma brecha para que o acesso a estes benefícios seja restringido, mas isso não aconteceria imediatamente após a aprovação da reforma.
Isso porque, segundo o especialista, também seriam necessárias alterações nas regras específicas para os facultativos, que constam da lei 8.213/1991, e a reforma não propõe essas mudanças. “A legislação infraconstitucional poderia ser alterada posteriormente, uma vez que a Constituição abriria essa brecha”, afirmou.
Para a advogada Marta Gueller, o texto pode acabar sendo discutido na Justiça, pois possibilita uma interpretação restritiva do direito por parte do INSS.
“Tudo que pode gerar uma interpretação para pior deveria ser evitado. O INSS sempre interpreta restritivamente. Caberá ao Poder Judiciário, com base em outros dispositivos constitucionais, como o princípio da dignidade humana e o objetivo de erradicação da pobreza, manter plenos direitos aos facultativos”, disse a jurista.