“Para quem vamos dar presente no Dia dos Pais?”, perguntam dois meninos angustiados com o futuro. “Pra mim”, tenta aliviar a mãe. O diálogo se dá no Parque da Cachoeira, comunidade atingida pela lama da barragem da Vale que rompeu em Brumadinho (MG). Quem pergunta são os filhos de Flaviano Fialho, de 34 anos, funcionário da Vale, cujo corpo foi achado em 27 de janeiro, dois dias após a tragédia.
Com 9 e 6 anos, os garotos têm feito muitas perguntas à mãe, Fernanda Fialho, de 31 anos. A lembrança está em casa, mas também nos arredores. Uma língua formada pela onda de rejeitos, de aproximadamente 100 metros, pode ser vista no local. De um lado, casas que chegaram a ter meio metro de lama em suas paredes. No meio, residências cuja existência só se constata porque é possível ver seus telhados. Uma estrada interrompida surge do outro lado.
A tragédia de Brumadinho completa um mês amanhã, 25, com saldo de 177 mortos já identificados, a maior parte homens, e 133 desaparecidos, uma cidade com várias comunidades ainda tomadas pela lama e uma população desnorteada, tentando retomar sua vida, mas ainda sem saber para onde ir. A maior parte das vítimas já identificadas é homem (77%), pai, trabalhador da mineração. A Vale anunciou anteontem, 23, que manterá por um ano, ou até que seja fechado um acordo definitivo de indenização, o pagamento de 2/3 dos salários de todos os empregados próprios e terceiros que morreram.
Enquanto isso, muitas famílias ainda aguardam um corpo para enterrar – busca cada vez mais complexa. “Como a onda destruiu a maior parte das estruturas, os corpos são espalhados ou lançados em distância muito grande ou às vezes até destruídos”, afirma o tenente Pedro Aihara, porta-voz dos Bombeiros. Exames de DNA têm ajudado na identificação das vítimas.
E a lama avança pelo Rio Paraopeba. Anteontem, o governo de Minas estendeu a área onde não é recomendado usar a água sem tratamento. Antes, era até a cidade de Pará de Minas, a cerca de 75 quilômetros de Brumadinho. Agora, o veto vai até Pompéu, a 200 quilômetros.
‘Como a dor vai passar?’
Luiz de Oliveira Silva faria 44 anos em 2 de fevereiro. Foi sepultado um dia antes, vítima do desastre em Brumadinho. Funcionário da Vale, era conhecido na cidade como Luiz Sorriso, por estar sempre disposto a ajudar quem precisasse. Membro de um grupo de voluntários da empresa, cruzava a cidade em um Brasília, reformando casas ou ajudando a arrecadar cestas básicas.
Há 14 anos trabalhando na Vale, voltava do almoço, em um ônibus, quando foi arrebatado pela onda de rejeitos. A empresa era a principal fonte de emprego da família – ali também trabalhavam seus dois irmãos, que escaparam.
“Além do meu irmão de sangue, perdi aquelas pessoas todas com quem trabalhei por quase 27 anos. A maioria está lá embaixo da lama ainda. Como essa dor vai passar?”, indaga o irmão Geraldo, que estava no hospital em Belo Horizonte, recém-operado da coluna, quando soube do acidente.
Fonte: A Tarde