Falhas na locomoção infantil são uma das sequelas da paralisia cerebral (Leia Para saber mais). Um grupo de pesquisadores norte-americanos desenvolveu um exoesqueleto — espécie de armadura robótica — para ajudar crianças que sofrem com esse problema. O aparelho permitiu que sete jovens com o tipo displégico espástico — quando ocorre a flexão excessiva dos joelhos — corrigissem a marcha de caminhada. Detalhada na edição desta semana da revista Science Translational Medicine, a intervenção poderá beneficiar também pessoas com outros tipos de complicações que dificultam os movimentos das pernas.
Em testes de laboratório, o aparelho permitiu que sete crianças com paralisia cerebral e dificuldades para caminhar conseguissem andar sem o apoio de terapeutas ou de outras tecnologias auxiliares de mobilidade. Seis dos sete jovens fizeram isso na primeira sessão de treino (que durou entre duas e três horas) e nenhum deles caiu enquanto usava o dispositivo. Após seis sessões, os exoesqueletos conferiram melhorias na postura comparáveis, ou até melhores, aos resultados obtidos em cirurgias corretivas.
Os autores acreditam que sessões de treinamento adicionais levarão a ganhos terapêuticos aprimorados. “Nossos resultados mostram que o exoesqueleto reduziu o problema, mas não o eliminou completamente. Um desafio-chave que ainda temos pela frente é traduzir a postura melhorada observada ao caminhar com o exoesqueleto para o caminhar sem o aparelho”, avalia Bulea.
A etapa seguinte da investigação consiste em utilizar o exoesqueleto em um número maior de crianças e por mais tempo. “O próximo passo é realizar um estudo de intervenção de longo prazo em crianças com paralisia cerebral para avaliar a eficácia da reabilitação da marcha, de modo que a caminhada seja melhorada sem o exoesqueleto. Outro objetivo é avaliar essa tecnologia em pacientes com deficits motores mais severos de paralisia cerebral”, adianta o autor.
Estender o dispositivo a outros tipos de pacientes também é um dos desafios do grupo. “Também planejamos explorar a aplicação desse tipo de assistência do exoesqueleto a outras populações ambulatoriais em risco de mobilidade em declínio, como os que sofrem com a distrofia muscular, espinha bífida ou lesão incompleta da medula espinhal”, conta Bulea.
Autonomia
O cientista explica que o exoesqueleto desenvolvido por sua equipe orienta os membros do usuário sem uma trajetória pré-definida, o que ocorre com outros dispositivos criados com a mesma função. “Nosso aparelho fornece rajadas rápidas de assistência em determinados intervalos ao longo do ciclo de marcha. Não determina um padrão de movimento particular para a criança seguir, permitindo que ela mantenha o controle sobre a própria caminhada”, explica.
Segundo o cientista, esse tipo de assistência aumenta a extensão do joelho durante a caminhada, sem reduzir a própria atividade muscular do usuário, indicando que os participantes do experimento trabalham com o exoesqueleto, em vez de descarregar a tarefa de endireitar a perna para ele.
Cláudia Barata Ribeiro, neurologista do Hospital Santa Lúcia em Brasília e presidente regional da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação, avalia que a pesquisa se destaca por ter criado uma maneira de auxílio mais autônoma. “No tipo displégico espástico, a criança anda com o joelho e o quadril bem dobrados, bastante curvada. E esse aparelho, que foi feito sob medida, deu a força de extensão necessária para corrigir essas falhas em momentos diferentes da marcha, mas um dos pontos mais interessantes é o fato de que a criança não ficou dependente da força exercida pelo aparelho. Ela não deixou que a máquina trabalhasse sozinha, e isso faz com que ela não se atrapalhe depois”, justifica.
Barata ressalta que o desafio dos cientistas será otimizar a melhora detectada no experimento. “Ao tirar o aparelho depois das sessões, a melhora se manterá, mas por quanto tempo? Eles não corrigiram completamente a falha, mas pode ser que isso ocorra com o uso prolongado. Outra opção seria usar esse aparelho como um auxiliar de treino para a fisioterapia”, opina a neurologista.
Complicações a longo prazo
A paralisia cerebral é causada por lesões cerebrais que podem ocorrer durante a gravidez, no parto ou no pós-parto. Problemas de saúde como a meningite, a encefalite e até o zika podem provocá-la. Os pacientes sofrem diferentes distúrbios de movimento, como a paralisação de um lado do corpo, comum em pessoas que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC).
Trata-se da deficiência física mais comum na infância — ocorre em aproximadamente 2,1 por 1.000 nascidos vivos. Cerca de 50% das crianças com paralisia cerebral perdem a capacidade de caminhar na idade adulta e, mesmo que suas funções neurológicas permaneçam estáveis quando crescem, os músculos de alguns pacientes são incapazes de manter a força e a resistência necessárias para se mover.
Fonte: Correio Braziliense