Percorrendo os 183 anos que formam a trajetória política de Vitória da Conquista a partir da fundação do arraial, seguindo pela transformação em vila e, finalmente, na elevação à categoria de município, é possível se deparar com a praça Barão do Rio Branco em vários períodos – embora, em boa parte desses momentos, o logradouro ainda não fosse sequer conhecido por esse nome, que remete a José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), ministro de Relações Exteriores do Brasil de 1902 a 1912.
Afinal, mesmo antes de existir oficialmente da forma como a conhecemos hoje, essa praça sediou muitos acontecimentos considerados importantes, a exemplo de comícios e negociações entre grupos políticos locais, regionais e nacionais, oriundos de diferentes orientações ideológicas.
Já discursaram na praça, por exemplo, personagens como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Waldir Pires, Otávio Mangabeira, Ulysses Guimarães, João Mangabeira, Lula, Antônio Carlos Magalhães, entre outras figuras políticas de destaque do Século 20. E, numa época em que havia menos áreas de lazer do que hoje, a praça acabava se tornando um lugar tido como ideal para encontros informais e simples bate-papo.
“A vida da comunidade tem origem numa praça”, observa o professor e escritor Durval Menezes, autor de nove livros que tratam de diferentes aspectos da história de Vitória da Conquista. Segundo ele, a Rua Grande era o local disponível para festas, leilões, quermesses e celebrações religiosas, feiras de gado e de cerais como milho, café e feijão, além de lugar preferencial para as residências dos moradores com maior poder econômico – os chamados “coronéis” que ditaram as regras políticas e econômicas na região durante o século 19 e ao longo das primeiras décadas do século 20.
Não por acaso, a Rua Grande foi o palco para as disputas políticas ferrenhas – e, muitas vezes, sangrentas – entre Peduros e Meletes, como eram chamados, respectivamente, o grupo político situacionista, ligado ao coronel Gugé, e o oposicionista, sob o mando do coronel Maneca Moreira. O ápice desse confronto, em 1919, transformou a Rua Grande numa autêntica praça de guerra, com tiros e mortes em ambos os lados. Era uma versão conquistense do coronelismo que perdurou no Brasil durante a República Velha.
“Toda a vida de Vitória da Conquista era ali”, avalia Durval, que enumera, entre os antigos moradores privilegiados do logradouro, figuras que hoje nomeiam ruas, avenidas e praças da cidade, como os coronéis Gugé, Pompílio Nunes e Zeferino Correia de Melo, o ex-governador da Bahia Régis Pacheco, o ex-intendente Otávio Santos e o médico Ubaldino Figueira, entre outros.
O advogado, professor e historiador Ruy Medeiros também retratou o contexto cultural da praça pioneira no artigo “Uma praça”, publicado em 22 de maio de 2012: “O espaço que compreende a antiga rua Grande sempre foi dinâmico e polivalente: local de moradia (e sempre foi ‘chique’ morar na praça), de comércio, de lazer, ou de ‘demonstrações cívicas’”, escreve Ruy.
“Ali funcionou a feira livre com seu velho barracão. Ali estava a Casa da Câmara. Ali residiam pessoas. Ali realizavam-se comícios, desfiles escolares. Ali, às vezes, circos mambembes levantavam mastro. Enfim: praça do faz de tudo”, conclui o pesquisador.
*Fragmentação deu origem à Barão do Rio Branco*
Entre os estudiosos da história política e cultural do município, há concordância em afirmar que remontam às últimas décadas do século 18 os primeiros sinais de arruamento no declive que ocupava a extensa área situada entre os fundos da Catedral de Nossa Senhora das Vitórias e o templo da Primeira Igreja Batista. Era, na época – e continuou a ser, por muitos anos – um espaço único, sem subdivisões. E, devido às suas proporções geográficas, passou a ser conhecido entre a população como “Rua Grande”.
Segundo Ruy Medeiros, foi na década de 1940 que uma intervenção mais brusca deu início à fragmentação da antiga Rua Grande. “Em seu ‘miolo’ foi permitida a ocupação e a praça foi dividida”, narra Ruy, no mesmo artigo “Uma praça”.
À medida que o município foi crescendo em densidade demográfica, esse logradouro foi sendo fragmentado e deu origem a quatro espaços urbanos menores: a atual praça Tancredo Neves, as ruas Maximiliano Fernandes e Zeferino Correia e a praça Barão do Rio Branco. Assim, como ressalta Ruy, “não se podia falar mais em rua Grande”.
*Mais comércio, menos residências*
Hoje, a Barão do Rio Branco é menos residencial e mais comercial. E funciona, sobretudo, como um ponto quase obrigatório de passagem, por estar situada exatamente no Centro Comercial da Zona Urbana conquistense. Por lá circulam, diariamente, centenas de pessoas – geralmente, em trânsito ou envolvidas em compras e outras demandas comerciais ou burocráticas, já que o Fórum João Mangabeira e uma série de cartórios e outras seções do Poder Judiciário funcionam nos arredores da praça – assim como, também, a Prefeitura e a Câmara Municipal, além de várias agências de instituições bancárias, hotéis e outros estabelecimentos dedicados aos mais diversos ramos do comércio.
O Edifício Lindoia (ao centro) foi demolido na década de 1980. A Casa de Tia Zaza (à dir.) mantém a fachada preservada até hoje
Os antigos casarões que existiam na Barão do Rio Branco, em sua maioria, foram demolidos ou desfigurados por reformas que não privilegiaram os aspectos arquitetônicos e históricos. Poucos imóveis ainda resistem com suas fachadas originais, como a Casa de Tia Zaza, tombada em 2005 pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), e, em menor escala, o edifício onde funcionaram o Cine Íris e a Rádio Clube de Conquista.
Dona Cleusa (sentada) trabalha na Barão há 50 anos: “É daqui que eu tiro o pão de cada dia”
“Daqui, tiro o pão de cada dia”
Porém, mesmo com uma circulação tão intensa de pessoas – em geral, apressadas –, ainda existem as que param por alguns momentos, seja para fazer um lanche ou para se sentar por alguns instantes nos bancos de madeira instalados pela Prefeitura. É graças à permanência dessas pessoas que se mantém o já tradicional ponto de venda de acarajé, sob o comando de uma antiga testemunha da história da praça Barão do Rio Branco: Cleusa Maria de Jesus, 75 anos, há pelo menos cinco décadas vendendo seus quitutes naquele local.
Enquanto prepara os acarajés no caldeirão e os repassa a seus colaboradores, para que eles os entreguem aos clientes, dona Cleusa precisa de poucas palavras – sem desviar os olhos do caldeirão com óleo fervente – para resumir o que a Barão do Rio Branco significa para ela: “Significa tudo, porque é daqui que eu tiro o pão de cada dia”.
Fachada do Cine Teatro Conquista (que sucedeu o Cine Lux e daria lugar ao Cine Riviera), na esquina com a rua Zeferino Correia. À esquerda, na esquina oposta (com a Maximiliano Fernandes), havia uma agência do extinto Banco Econômico
Entre as dezenas de pessoas que passam diariamente pela barraca de dona Cleusa, a fim de provar de seu talento culinário, poucos devem imaginar que, quando ela começou a trabalhar ali, o prédio situado no alto da praça, na esquina com a rua Maximiliano Fernandes, onde atualmente funciona a loja de uma grande rede varejista, ainda abrigava uma agência do extinto Banco Econômico. Ao lado do banco, na edificação da esquina oposta, com a Zeferino Correia, onde hoje funciona um hotel, havia o Cine Teatro Conquista, que realizava sessões todas as noites da semana e, aos domingos, chegava a oferecer até cinco exibições.
O Cine Teatro Conquista, de fachada elegante e com direito a brasão em alto relevo, com as iniciais CTC, sucedeu o antigo Cine Lux e, posteriormente, daria lugar ao Cine Riviera. Mais abaixo, na esquina da Barão do Rio Branco com a travessa Zulmiro Nunes, havia o Hotel Aliança – cujo prédio permanece ali, com parte da estrutura em decadência.
Mais abaixo, na área central da Barão do Rio Branco, havia o edifício Lindoia, com seus dois pavimentos que abrigaram diferentes atividades comerciais e se consolidou como uma referência geográfica para várias gerações de conquistenses por mais de três décadas, até ser demolido, já na década de 1980.
*Solidariedade*
Além de abrigar as atividades comerciais em geral durante o dia, a Barão do Rio Branco também é palco para intervenções sociais de amparo a pessoas em situação de vulnerabilidade. O comerciante Luiz Tall, que há quase dez anos é proprietário do “Churro do Seu Madruga”, bem em frente ao ponto onde funcionaram o Cine Lux, o Cine Teatro Conquista e o Cine Riviera, faz questão de registrar que já presenciou várias ações desse tipo.
“Todos os seres humanos, e também os não-humanos, de Vitória da Conquista e da região, passam por aqui. Eu fico sentado, escutando e observando. E o que me fez ficar aqui? Eu conheço o país do Oiapoque ao Chuí. E não existe no planeta uma cidade mais solidária com o necessitado e com o pobre como Conquista”, garante Luiz, que é carioca, nascido na Ilha do Governador, e também se dedica a ensinar xadrez numa mesa em frente a seu carrinho de churros.
Mas, a despeito de sua origem no Rio de Janeiro, e de todo o conhecimento que diz ter sobre o Brasil, ele afirma que se sente atraído por Vitória da Conquista, em razão de algum tipo de vínculo que transcende o mero sustento a partir da venda de guloseimas.
Segundo seu relato, ele sentiu esse vínculo ao testemunhar doações de alimentos e cobertores a pessoas em dificuldades financeiras: “A Polícia Militar, a Maçonaria, a Igreja Católica e as evangélicas, e diversas entidades. De seis horas da tarde às dez da noite, cada um recebe dez marmitas. E, no frio, cobertores. Não existe isso no país. E, como eu sou um progressista, não tem lugar melhor para viver”, garante o carioca-conquistense.