Teremos, infelizmente, o dia do trabalho, em 1.º/5/20(hoje), em meio a pandemia e sem motivos para comemorações. O trabalho, dimensão humana essencial, pode ser entendido como libertador, como uma forma de realização pessoal; mas, também, como alienante, cruel e aprisionador.
O desenvolvimento social e econômico trouxe transformações ao mundo do trabalho. Desde os primórdios – quando o homem optou por criar animais e não apenas caçá-los e iniciou o cultivo ao invés de somente colher – passando pela manufatura, pela indústria, pela força do setor de serviços, pela sociedade conectada em rede, pela internet das coisas e pela chamada indústria 4.0, até a recente situação que ora presenciamos, sempre tivemos parte substancial de nossa socialização, na família e na escola e universidade nos preparando para o exercício de uma profissão. Muitos odeiam seu trabalho e outros o entendem como uma benção. Há os que desempenham funções intelectuais, criativas, gerenciais e, hoje, trabalham de casa, em “home office”; há os trabalhadores essenciais que continuam sua labuta para que todos tenhamos condições de sobreviver à pandemia. Temos, no limite, uma divisão do trabalho social, com funções específicas sendo desempenhados, mas todos, indistintamente, dão sua contribuição estabelecendo laços sociológicos de solidariedade e coesão social.
O impacto da pandemia na economia, no setor produtivo, no Brasil e no mundo, será profundo, gravíssimo. Em recente (29/4/20) intervenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT, da ONU), temos projeções que indicam que cerca de 1,6 bilhão de pessoas – quase metade da força de trabalho global – podem vir a ter seus meios de subsistência destruídos por conta do declínio contínuo das horas trabalhadas, por conta da situação de pandemia. Outro cenário alarmante está no fato de que cerca de 430 milhões de empresas em setores mais afetados, como, por exemplo, varejo e manufatura, já passam por graves perturbações. Isso significa que teremos no curto, médio e longo prazo um contingente enorme de pessoas que empobreceram, desempregadas e sem renda, ou chegarão à condição de miséria. Os governos, aqui e no mundo todo, deverão, por meio das ações estatais, proteger os que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. Haverá uma forte necessidade de pensar estratégica e politicamente: os políticos que buscarão o voto terão projetos concretos ou, apenas, discursos vazios e populistas? Deveremos, todos – sociedade, iniciativa privada e Estado – nos prepararmos para o mundo pós-covid-19. O melhor da inteligência coletiva de cientistas, políticos, intelectuais, líderes empresariais, políticos e dos cidadãos ativos e participantes deverá ser colocada à prova. Nossas sociedades, das mais prósperas às mais pobres, serão atingidas, no entanto, em graus diversos. O trabalhador sem trabalho perde, paulatinamente, não só sua renda, mas sua dignidade, sua esperança. Ações estatais, responsabilidade social empresarial e filantropia deverão, mais do que nunca, estar presentes e articulando o equacionamento da grave situação que se avizinha.
Gostaria, neste texto, como fiz noutros no 1º maio, de fazer considerações mais positivas e alvissareiras. A realidade não permite. A pandemia vem infectando e matando milhares de seres humanos. Choramos por nossos entes queridos, amigos, conhecidos. Que possamos, juntos, com força, coragem e nossos trabalhos sairmos dessa situação. Quem sabe por conta da crise não tenhamos novas oportunidades de repensar nossa vida, trabalho e sociedade.
*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp de Araraquara.