Os estudantes de Medicina da Bahia estão legalmente impedidos de realizar estágios curriculares na rede pública de saúde, devido à uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA). Autor da ação, o Instituto Avançado de Ensino Superior de Barreiras (IASB) entrou com um pedido de desistência. No entanto, a existência de outro interessado levou à manutenção da decisão.
No último dia 29 de janeiro, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, indeferiu o pedido de suspensão da liminar feito pelo Estado da Bahia. Na decisão, Noronha avalia que “não ficou comprovada, de forma cabal, a grave lesão aos bens tutelados pela legislação” e que é necessário garantir o cumprimento da lei. “É possível identificar a existência de interesse público na viabilização das atividades de estágio obrigatório a serem desenvolvidas por estudantes que pretendem a obtenção de diplomas universitários e dependem, para tanto, do convênio firmado com os estabelecimentos estaduais de saúde. Todavia, também é de interesse da coletividade que o ato administrativo por meio do qual o Estado formaliza tais convênios seja válido e observe as regras do ordenamento jurídico brasileiro”, reforça o presidente do STJ, pontuando que a liminar suspendeu um edital específico, o que não impede a abertura de nova licitação para a formalização do convênio.
“Por fim, no tocante à argumentação de que a contrapartida financeira exigida das instituições de ensino serve ao propósito exclusivo de ressarcir o Estado das despesas na atuação dos estudnates nas unidades hospitalares, constata-se que o requerente suscita questões relacionadas ao fundo da controvérsia, que devem ser discutidas nas instâncias ordinárias e em vias processuais próprias”, analisa.
Em entrevista ao Bahia Notícias, estudantes da rede privada de ensino dizem estar preocupados com um possível atraso no curso e déficits na formação, já que o período de internato está previsto para o início em 18 de fevereiro. “Eu tenho medo de atrasar não só a formatura, mas a minha formação como médica. O pior está sendo o desamparo aos pacientes, porque a gente não tem tido contato com eles”, lamentou Amanda Prystho, 22, aluna do 10º semestre na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.
A jovem ainda expôs uma crítica da maioria dos seus colegas a uma recente declaração do secretário da Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas. O gestor afirmou, em entrevista, que um aluno implica gastos durante o estágio, seja com insumos, como luvas e máscaras, ou com o suposto aumento do tempo de internação de pacientes.
“O gasto não chega nem perto do benefício que é ter estudantes, tanto para a formação médica, quanto para o paciente. A gente faz os relatórios de alta, de admissão, solicita exame… Ele enalteceu o custo, mas menosprezou completamente a importância do estudante no contexto hospitalar e, principalmente, no SUS”, criticou. Alguns estudantes ressaltaram ainda, em publicações nas redes sociais, que eles não são autorizados a solicitar exames ou conceder alta para os pacientes, já que não possuem registro no Conselho de Medicina.
No caso específico da Escola Bahiana, a diretoria já caminha para uma solução alternativa, na tentativa de não prejudicar os alunos. De acordo com o professor Humberto Castro Lima Filho, diretor do Centro Médico da instituição, a reitoria já está em negociação com outros parceiros e deve apresentar uma conclusão na próxima semana.
“A gente acha importantíssimo que eles atuem nos hospitais do Estado, porque a gente forma nossos alunos para o SUS. Caso isso não seja possível, temos outros parceiros, seja hospitais da rede privada, municipal ou hospitais filantrópicos. É um processo grande de organização, mas a gente acredita que não haverá prejuízo para esses alunos”, disse Lima Filho.
Mas a estudante Camila Alvim, 28, que está no 11º semestre da Unime, alerta que há um entrave para que todos os alunos da rede particular sejam contemplados. “Na verdade, tem uma resolução do MEC[Ministério da Educação] que obriga as instituições particulares a fazerem a maior parte do internato no SUS, então fica um contrassenso. Tem uma lei maior que obriga [que haja estudantes da faculdade] no SUS, não pode se resumir a hospitais particulares”, apontou.
Ela ainda reforçou a importância dos alunos para o sistema público de saúde. “O SUS também depende da gente, dos internos, pra ajudar a funcionar. Os hospitais públicos já sofrem com a falta de médicos, e a gente, que quer trabalhar, não está podendo trabalhar”, lamentou.
Os alunos da Universidade Federal da Bahia (Ufba), por sua vez, não foram tão prejudicados com a situação, graças a convênios municipais. “A Ufba ainda tem alguns convênios municipais, com o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] e o Hospital Municipal, que continuam normais. As pessoas que rodavam em emergência, que é o principal rodízio, foram direcionadas para o Hospital Municipal”, explicou o estudante do 12º semestre Victor Caboré, 27. Para ele e os colegas, “essa não é a melhor opção, mas é o que dá para fazer no momento”.