Não é fácil ser politicamente correto nos dias de hoje. Tudo tem implicações e aspectos permitidos e não permitidos. Utilizar termos que eram possíveis em tempos passados, hoje poderiam levar à cadeia. Como alguns de vocês sabem, sou muito baixo. Já tive provavelmente milhares de apelidos e alguns inomináveis. Não era agradável e levei muito tempo para entender que poderia ser normal. Sofri bullying e não aceito que isto seja adequado em nenhum momento. Mas hoje fico pensando nas crianças que têm tido aumento de peso e estão sofrendo por isto. Vítimas de uma sociedade que não se adaptou ainda ao maior acesso aos alimentos e às condições complexas de um urbanismo violento e que nos trancou dentro de casa.
Nossas crianças não fazem muita atividade física, e estão comendo o que muitos chamam de dietas não saudáveis. São vítimas de perseguição e são molestados de várias formas, fora e DENTRO de casa. Os pais, muitas vezes, são os primeiros a se manifestarem, chamando seus filhos de gordinhos e recriminando como comem. Esquecem-se de seu papel especial na prevenção dos desvios da alimentação. Eles se esquecem de que foram os primeiros a desistir, oferecendo doces muito precocemente, quando seus filhos não comiam ou que ofereciam comida insistentemente ao primeiro choro do bebê, sem entender a causa do mal estar. Mas também foram de alguma forma omissos, ao achar que seus filhos eram fortes e não obesos.
Um recente trabalho publicado na Austrália, e que comentei há alguns dias na imprensa, refere que crianças com pior autoestima, e que foram discriminadas dentro de casa, têm maior chance de serem obesas ao crescerem. Tudo a ver! A forma do corpo é sempre diferente para cada um de nós e isto é essencial para a diversidade de todos os seres. No entanto, devemos repensar a forma como avaliamos algumas coisas que saem da normalidade.
Pais obesos tendem a demorar mais a levar seus filhos com excesso de peso ao médico. Creem que pode ser normal ou que isto vai se resolver com o crescimento. Ao mesmo tempo, levam vidas que ajudam no ganho de peso de todos os membros da família. Se em eterna dieta, ás vezes causam reações negativas em seus filhos, que pensam “não quero ser igual”.
Nós, profissionais de saúde, também temos problemas no diagnóstico. Se por um lado deveríamos estar muito atentos aos desvios do peso, avaliando ganhos exagerados, desproporções no tempo e no comportamento, temos também dificuldades de organizar o diagnóstico. Por problemas na nomenclatura, nos Estados Unidos, a criança que está acima do primeiro desvio padrão da normalidade, nas curvas de Índice de Massa Corporal (IMC), é chamada pela Organização Mundial da Saúde e também pelo Ministério da Saúde, de risco de sobrepeso. A que está acima de dois desvios-padrão, é chamada de sobrepeso. Isto é válido para menores de cinco anos. Quando usamos a nomenclatura para maiores de cinco anos, a criança que era chamada de risco de sobrepeso, é automaticamente classificada como sobrepeso. E a que era chamada de sobrepeso, ganha o nome de obesa!
Tudo isto porque alguns pediatras achavam que não era adequado chamar crianças pequenas de obesas (mas com cinco anos pode?) e com isto estariam protegendo a sociedade de médicos que iriam investigar demais estas crianças. Que engano! Na verdade, estamos deixando de diagnosticar adequadamente crianças que estão ganhando peso demais, e que, no futuro, podem apresentar obesidade mais grave, doenças associadas como o diabetes, hipertensão e risco cardiovascular.
Obesidade é uma doença que tem inúmeras formas e causas. Deve ser tratada e prioritariamente prevenida. Não importa o nome do inimigo, a doença deve ser avaliada o mais rápido possível. Não dá para continuar assistindo famílias que vêm aos consultórios médicos com crianças obesas somente após anos de ganho de peso sem qualquer intervenção. Pais que sofreram cirurgia bariátrica e que lutaram com o corpo a vida toda, que evitam tratar seus filhos para supostamente impedir mais sofrimento. Mas o que é sofrimento? Tentar mudar o modo de vida ou submeter um adolescente a uma cirurgia complexa e que não resolve a causa?
Se hoje chamamos alguém de “gordo”, “gordinho”, no fundo, estamos pedindo que, por favor, permitam que interfiramos. Permitam que possamos modificar o estilo de vida, aumentando a atividade física e corrigindo a alimentação de toda a família. Talvez com isto tenhamos, num futuro imaginário, variações do corpo humano, do mais magro ao mais gordo, do mais baixo ao mais alto, mas dentro de uma situação clínica aceitável e sem riscos excepcionais. E, talvez, o nome não mais importe. Já dizia Shakespeare em Romeu e Julieta “O que há num nome? Somos todos iguais”.
Fonte: Mauro Fisberg /Veja
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