De repente a freada, o estrondo e o som da colisão. As pessoas correm, saem de suas casas, mas não sem antes pegar o celular já armado na posição de fotografia ou de filme. As pessoas vão se amontoando, em alguns casos parecendo que brotam da terra, e se acotovelam em busca do melhor ângulo. O olhar já busca os corpos: foi grave? Tem sangue? Morreu? Vixi, esse aí não escapa! E é numa sucessão de curiosidades, comentários, conclusões antecipadas e juízos de valor que a notícia vai se espalhando e as fotos e filmes vão sendo publicados em tempo real nas redes sociais. Em poucos segundos estão sendo compartilhadas no Facebook, WhatsApp e em outros aplicativos. Mas, e a vítima? Como ela se sente naquele momento quando está consciente, assustada e imóvel? Como a família se sente quando a notícia do acidente chega primeiro pelas redes sociais, sem nenhuma preparação, sem qualquer cuidado?
Irresponsavelmente, no auge da curiosidade e no afã de postar antes de todo mundo, muitas pessoas assim que presenciam ou farejam um acidente de trânsito empunham logo as suas câmeras de celular e pulam na frente dos corpos, se agacham, fazem malabarismos para conseguir o melhor ângulo da foto dos corpos, ainda vivos ou não. Neste momento a última coisa em que pensam é: “o que a vítima está sentindo?”. “E se fosse comigo, como eu me sentiria?” “E se fosse alguém da minha família e eu soubesse do acidente por alguma postagem nas redes sociais?”
Pois, eu posso dizer com propriedade como as famílias se sentem, pois sou familiar de vítimas de acidente de trânsito: nesse momento o nosso chão some debaixo dos pés; o nosso mundo desaba; nos sentimos golpeados bem no meio do coração; as nossas pernas ficam bambas, moles; nós procuramos um lugar para sentar ou uma pessoa para apoiar. Ficamos tontos, não sabemos por onde começar. Se ninguém avisa esquecemos panelas no fogo, roupas batendo na máquina, portas e janelas abertas. Precisamos de alguém para dirigir por nós e nos levar até o local porque ficamos sem condições psicológicas, emocionais e até físicas.
Se naquele momento em que estamos nos aprontando com dificuldades para sair de casa soa um aviso das redes sociais ou se alguém vem nos mostrar a postagem, a foto, o filme, os comentários, ficamos ainda mais desesperados. Afinal, como você se sentiria se, ainda sem saber exatamente a dimensão da gravidade do acidente, visse o corpo da pessoa que você ama caído no asfalto, muitas vezes, com uma poça de sangue ao lado ou com as fraturas expostas em detalhes?
Quem curte e dá likes em fotos assim está gostando e curtindo o quê? O acidente? As consequências do acidente? A postagem invasiva e desrespeitosa que faz a desumanidade de postar o rosto, o corpo ferido e até politraumatizado? Está curtindo o desrespeito e a falta de compaixão em publicar e compartilhar o ser humano em seu momento de maior fragilidade?
É isso que as campanhas de acidentes de trânsito nos países mais evoluídos quer evitar: a exposição da dor das vítimas e das famílias, mesmo com o propósito de incentivar a prudência e tentar evitar que outros se machuquem assim. Mesmos os profissionais do jornalismo como os fotógrafos e cinegrafistas procuram sempre o melhor ângulo para mostrar o acidente, os veículos, nunca as pessoas, nunca os corpos, nunca a exposição antiética e desumana do sofrimento humano ou de um corpo agonizante.
A vítima de acidente se sente desamparada, desprotegida, sozinha no mundo naquele momento ainda que rodeada de socorristas e de uma turba de curiosos. Nesse momento, caída, ali, no chão, mesmo que os ferimentos não sejam graves, a vítima pensa que vai morrer. Elas ouvem tudo: os comentários das pessoas sobre o acidente e principalmente sobre o estado de seu corpo. Ouvem, inclusive, os cliques das câmeras. Ouvem o choro, os gritos e o desespero dos familiares que vão chegando. Alguém já tentou se colocar no lugar das vítimas?
Praticar a empatia e colocar-se no lugar do outro é uma coisa que anda muito em falta em tudo o que fazemos na vida: em uma discussão em casa, no trabalho, no trânsito, ou simplesmente diante do modo como nos comportamos quando presenciamos um acidente de trânsito.
Procure dentro de alguma dobrinha de você onde foi parar o respeito pela dor alheia, a humanidade, a compaixão e a resgate. Se não puder ajudar, não atrapalhe. Se puder, acalme a vítima, diga que vai ficar tudo bem, que o socorro já está chegando, que já está ouvindo a sirene e que em breve os socorristas irão fazer todo o atendimento necessário. Acolha, apoie, ofereça ajuda emocional às vítimas e aos familiares.
Os acidentes de trânsito são diários; muitas vezes, atende-se mais de um ao mesmo tempo e ninguém sabe se amanhã ou depois estará no lugar dessas vítimas e dessas famílias tendo a sua dor, o seu sofrimento e o seu corpo machucado exposto de forma cruel e desumana em fotos cheias de likes e curtidas nas redes sociais. É desumano saber do acidente dessa forma.
Para as vítimas e para as famílias, é uma das piores agressões que se pode sentir. Ficamos ainda mais destroçados. Por dentro e por fora. Por isso, segue aqui um apelo sincero pela sua humanidade ao presenciar um acidente de trânsito:
*Márcia Pontes é Graduada em Segurança no Trânsito na Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), colunista e educadora de assuntos de trânsito em Blumenau (SC).
Fonte: Portal do Trânsito / Blog Transitar
Advertisement